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16 julho 2009

What to say...

As palavras de Próspero
É um final de tarde chuvosa e fria de Novembro. PRÓSPERO, um homem alto, moreno, olhos verdes, com farto bigode, bem-parecido e de smoking preto vestido, está sozinho num escritório.
O escritório é escuro, com chão de madeira escura. As paredes são brancas e cheias de rachas. A que está atrás da secretária apenas tem um calendário reles pendurado; a do lado direito tem a única janela com vista para o centro da cidade; a oposta tem um diploma de trabalho.
Próspero, está sentado na secretária a mexer em papéis e a apontar dados no computador portátil. Ouve passos lá fora e reage de maneira desconfiada e suspeita. Continua a fazer o seu trabalho. Olha para a fotografia que está no lado esquerdo da mesa. É a fotografia da mulher e da filha. Está preocupado com algo.
Olha para o relógio de pulso. São sete horas. Levanta-se. Pega nas suas coisas e sai do escritório.
Entra no elevador. O elevador pára. Encosta-se à parede de maneira a que os três homens que estão à entrada consigam entrar. Olha para eles. Não os conhece. Tenta desviar o olhar mas não consegue. Um dos homens aproxima-se dele. Próspero tenta afastar-se mas não consegue: está rodeado. O mais alto dos três encosta-o à parede. Tapa-lhe o nariz e a boca. Droga-o. Saem do elevador, do prédio. Colocam-no num Mercedes preto e arrancam.
Próspero, acorda. Está cheio de dores e meio tonto. Encontra-se numa casa de banho, amarrado à sanita. Tem um grande corte na cabeça.Tem sangue a escorrer-lhe da cara. Tenta soltar-se, mas não consegue.
A casa de banho é grande, quadrada, com azulejos azulados e completamente sujos. Ao lado da sanita existe um duche e em frente a este um lavatório partido e ensanguentado. Não existem toalhas ou qualquer tipo de objecto relacionado com limpeza.
Alguém entra pela porta. Vira-se e vê o irmão, ANTÓNIO, um homem baixo, quase careca, nariz grande e imponente, com um ar nauseabundo, seguido dos três homens. António olha-o com ódio. Pede-lhe para ele entregar o código do cofre. Próspero, estendido no chão não faz nada, não diz nada. Cospe. O irmão e os três homens abandonam a casa de banho. Próspero murmura algo.
O tempo passa. Dois, três dias. Próspero tem fome e sede, mas os homens a mando do seu irmão deixam-no ao abandono na casa de banho imunda. Tem uma pequena janela entreaberta.
Um deles entra e desamarra-o. Deixa algo para comer e volta a sair. Próspero fica na dúvida se deve comer ou não, mas a fome é tanta que resolve comer e beber o que quer que lhe tivessem deixado.
Fracamente levanta-se e dirige-se à pequena janela do outro lado da casa de banho. Tenta descobrir onde se encontra, mas em vão. Só vê campos abandonados. Olha em volta para ver se encontra alguma forma de escapar, mas é impossível. A porta abre-se estrondosamente e entra um homem com ar de mafioso. Dirige-se brutamente na direcção de Próspero e atira-o ao chão. Levanta-o pelo colarinho e pergunta-lhe pelo código do cofre, mas este recusa-se a dar-lho.
É atirado contra a parede e agredido brutalmente. Outro homem matulão entra e começa a torturá-lo, até ele dizer a informação que ambos querem. Mas mesmo assim, ele não diz, o que está em risco é a segurança da mulher e da filha. Aceita a tortura em nome da segurança da sua família.
Vê-se obrigado a suster a respiração enquanto metem a sua cabeça na sanita e o autoclismo é puxado. Engole água e desesperadamente tenta soltar-se, mas não consegue. Sente novamente água a escorrer, engasga-se e cospe. A sua cabeça é bruscamente puxada para trás e o mafioso olha-o firmemente nos olhos à espera de uma resposta. Nada. O homem chama outra pessoa. Próspero é agarrado pelas mãos e vê um deles tirar uma faca do bolso das calças. Sem mais nem menos, sente um golpe rápido no dedo indicador e de seguida outro golpe no polegar. Sente dores fortes, mas continua preso. Colocam-no debaixo do duche, a água fria que escorre pelo corpo gela-o.
Não tem forças para se levantar, nem ousa fazê-lo com os dois homens a olhar ameaçadoramente para ele. O terceiro homem entra acompanhado pelo irmão de Próspero. Os quatro conversam como se ele não estivesse ali. Já têm o código do cofre e já podem roubar os documentos que precisam para lhe roubar todo o dinheiro. Próspero pergunta como conseguiu e em resposta apenas obtém o nome da esposa. Fica alarmado. Chama pelo irmão. Tem algo que deseja imenso poder dizer-lhe. O irmão ignora-o e seguido pelos três homens deixam-no novamente ao abandono. A porta fica entreaberta. Próspero tem oportunidade de fugir.
Tenta levantar-se, mas não consegue. Está demasiado enfraquecido com a perda de sangue. Sabe que está a morrer. Procura pela caneta que tinha no bolso das calças mas não a encontra.
Procura desesperadamente algo para poder escrever um bilhete ao irmão, mas não encontra. Está cada vez mais fraco.
Apanha a faca que tinha sido esquecida e olha-a amargamente. Começa a escrever letras, palavras, frases no seu corpo magoado. Sente imensa dor.
Escreve que já sabia que tudo aquilo ia acontecer e como tinha planeado tudo com a mulher, que tinha fugido com a filha para bem longe. Faz uma pausa, tenta abstrair-se da dor que lhe causa a mutilação.
Volta a pegar na faca e escreve na perna, que quando António chegasse ao cofre não ia encontrar lá nada porque dois dias antes do seu rapto tinha movido todos os documentos que lhe davam acesso a todo o dinheiro e que só a filha poderia vir a mexer. Volta a fazer uma pausa, lágrimas caem-lhe pela face sem ele se aperceber.
Ganha coragem e continua a escrever que, no fundo, perdoava o irmão por trabalhar para o homem que roubara e destruíra a sua família.

O seu corpo nu e mutilado foi encontrado no mesmo dia pelo irmão, que, enraivecido com a verdade escrita na pele de Próspero, arrastou-o para fora e enterrou-o no jardim para esconder tudo aquilo.

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